9 de novembro de 2006

Dissonância

não consigo deitar-me tarde. não consigo adormecer cedo.
o frigorífico murmura e suspira ocasionalmente, como uma dançarina de alterna. a máquina-de-lavar-loiça parece uma viúva a carpir num funeral de província. preferia o ruído da água a cair na água, numa fonte de pedra no meio do Jardim Botânico, numa manhã de frio. e no entanto, custa-me passar 3 dias sem ouvir o zumbido do Metro.
a bata-branca diz que o ziguezague do traçado é por causa da corrente alterna. a minha avó, que era viúva, tinha medo da trovoada porque uma vez viu um raio cair numa árvore a uns metros de distância. mas acho que lá a convenceram a fazer o electrocardiograma. estava um rapaz numa cadeira-de-rodas com um colar cervical, uma senhora de muletas cruzou-se comigo à saída da casa-de-banho, e quem tem o olhar mais triste é o homem de bigode que tira os cafés.
e eu que não consigo deitar-me tarde nem adormecer cedo.