15 de fevereiro de 2015

Syriza

"A direita conserva ou reforma e inova - para recodificar novamente numa grelha estrita, A esquerda prefere criar o novo libertando o acaso. Como não saudar a irrupção do Syriza na cena político-existencial da Europa - da Europa adormecida, paralisada, auto anestesiada pela sua moral niilista do «bom senso», do «justo meio», da «via única»? Nunca vivemos um tónus de vida tão baixo, tão pobre, tão espiritualmente desgraçado, tão resignadamente desesperado.
É isto a Europa? A Europa dos anómalos, dos criadores, dos Shakespeare, dos Holderlin, dos Rimbaud, dos Pessoa, dos Van Gogh e dos Artaud? Estes seres «improváveis», «impossíveis» abriram campos inauditos à criação e à cultura da Europa. Não deveríamos tê-los domado - tê-los «posto na ordem» antes de eles...«ousarem»?"
José Gil, Visão

13 de fevereiro de 2015

Catatonia melancólica

almoçávamos na cantina, lá fora nas mesas de pedra quando estava sol. primeiro tínhamos as mesmas ideias sobre o mundo e depois divergimos nas esquerdas. marxistas-leninistas, trotskistas, morenistas, já não era só o certo e o errado, o bem e o mal. a certa altura deixei de compreender - ler teoria política exige tempo, disponibilidade mental e muita motivação. eu li duas ou três coisas, entre as quais "o materialismo dialéctico e o materialismo histórico", que é pequenino e tem a propriedade de ao ser aberto numa página aleatoriamente apresentar parágrafos como este:

"...há velhas ideias e teorias, que tiveram seu lugar na devida altura e que hoje servem os interesses das forças decadentes da sociedade. a importância que têm, é a de travar o desenvolvimento da sociedade, o seu progresso. há ideias e teorias novas, de vanguarda, que servem os interesses das forças de vanguarda da sociedade. a sua importância resulta do facto de elas facilitarem o desenvolvimento da sociedade, o seu progresso; e, mais ainda, adquirem tanta mais importância quanto reflectem mais fielmente as necessidades do desenvolvimento da vida material da sociedade..."

é de tirar o fôlego. faz pensar no medo que temos das ideias e teorias novas, e mesmo daquelas que não são novas, mas que divergem. como são desacreditadas. contos de fadas? sim. aqueles em que a princesa casa com o cavaleiro pobre mas heróico. em que a gata borralheira conquista o príncipe. aqueles em que a desigualdade social e a hierarquia de classes é posta em causa pelas histórias de amor. hoje, que são outros tempos, ainda é um conto de fadas esta storyline em que a austeridade ser questionada por um governo. a esquerda é sempre extrema, bicho mau e mãe de vícios. poucas palavras sobre o estado social, poucas vezes se pergunta para que serve um estado que se desresponsabilizou da saúde e da educação (e, há muito, do pão e da habitação).

14 de julho de 2013

Clichés

e não mudei muito ao longo destes anos. entre um tédio a que não vejo o fim e uma tristeza entranhada, pelo meio raros momentos de uma alegria ou de um entusiasmo sumidos que depressa se desfazem no que é o meu mundo real, do qual não soube fazer o que sonhei. e já não sei sonhar outra coisa para fazer dele.
vou andando, uns dias são um pouco melhores do que os outros e este tipo de coisas soa-me uma tolice. há gente doente, há gente a passar fome, há gente que perdeu quem mais amava. a mim não me aconteceu nenhuma dessas coisas, e no entanto uma distimia moderada é o melhor que consigo, nos meses de verão.
talvez se tivesse nascido e crescido outra pessoa qualquer pudesse ser de outra maneira qualquer.

13 de janeiro de 2013

Wandering alone

e vão 8 anos de blog. depressa demais. tenho escrito pouco, lido poucos livros, visto poucos filmes. perdi o fôlego e vou tentando não perder as referências. 
tenho saudades: dos cafés, da sala pequena da cinemateca, das lutas e das faixas, mas sobretudo da companhia. vaguear sozinho só enche o peito de cócegas quando se está numa cidade nova por descobrir. aqui é achar que deixei de ter a vida pela frente e o mundo pela mão.

25 de outubro de 2012

Learned Helplessness

nas horas em que mais preciso, relativizas o fim-do-mundo. às vezes até como se não estivesses em contacto perfeito com as coisas aqui em baixo. vendo alguns momentos em retrospectiva, tornaste-os tão menos maus do que podiam ter sido. talvez até largos anos tenham sido menos maus só porque estavas lá e me lias as histórias até um de nós adormecer primeiro. é o que guardo de mais próximo do amor incondicional. um tudo incondicional. o desamparo foi uma coisa que aprendi talvez depois cedo demais no entanto.

5 de outubro de 2012

Descontentamento

fez-se tardar, mas saiu à rua. não chega.

23 de agosto de 2012

Telejornal das 8

quando me imagino a ter a minha família, imagino-nos a ver o telejornal das oito. o relato do quotidiano define um sentimento colectivo. a explosão em castro marim, o julgamento de breivik e a violenta queda de ricardo mestre na volta a portugal em bicicleta são temas que nos unem. a manipulação da emissão de informação pela comunicação social pode garantir a estupidez de uma geração. e assim chegamos a este governo e à inevitabilidade da troika. como se sabe começo a questionar abertamente a democracia.
quando me imagino a ter a minha família, imagino os meus filhos a correrem com mochilas coloridas às costas para a escola pública onde hão-de aprender a ser gente. um bairro onde possam andar de bicicleta em vez de estarem presos no facebook. que possam ver as ameixas a crescerem nas árvores e a lenha a arder nas lareiras e saber o que são aldeias com casas de pedra em vez de prédios de vinte andares. que saibam que as grandes potências económicas não são o umbigo do mundo e que os sistemas políticos não são inquestionáveis mesmo que o mundo não se recorde de ter conhecido algum diferente daquele em que vivemos. que não tenham medo de pensar o contrário desde que o saibam fundamentar. que sejam capazes de inventar. que saibam que o necessário é o necessário e que o extraordinário também se pode ter mas nem em todos os tempos e se pode ser feliz com muito pouco.
(e, claro, imagino os meus pais a terem os cuidados de saúde gratuitos para os quais descontaram toda a vida.)