13 de fevereiro de 2015

Catatonia melancólica

almoçávamos na cantina, lá fora nas mesas de pedra quando estava sol. primeiro tínhamos as mesmas ideias sobre o mundo e depois divergimos nas esquerdas. marxistas-leninistas, trotskistas, morenistas, já não era só o certo e o errado, o bem e o mal. a certa altura deixei de compreender - ler teoria política exige tempo, disponibilidade mental e muita motivação. eu li duas ou três coisas, entre as quais "o materialismo dialéctico e o materialismo histórico", que é pequenino e tem a propriedade de ao ser aberto numa página aleatoriamente apresentar parágrafos como este:

"...há velhas ideias e teorias, que tiveram seu lugar na devida altura e que hoje servem os interesses das forças decadentes da sociedade. a importância que têm, é a de travar o desenvolvimento da sociedade, o seu progresso. há ideias e teorias novas, de vanguarda, que servem os interesses das forças de vanguarda da sociedade. a sua importância resulta do facto de elas facilitarem o desenvolvimento da sociedade, o seu progresso; e, mais ainda, adquirem tanta mais importância quanto reflectem mais fielmente as necessidades do desenvolvimento da vida material da sociedade..."

é de tirar o fôlego. faz pensar no medo que temos das ideias e teorias novas, e mesmo daquelas que não são novas, mas que divergem. como são desacreditadas. contos de fadas? sim. aqueles em que a princesa casa com o cavaleiro pobre mas heróico. em que a gata borralheira conquista o príncipe. aqueles em que a desigualdade social e a hierarquia de classes é posta em causa pelas histórias de amor. hoje, que são outros tempos, ainda é um conto de fadas esta storyline em que a austeridade ser questionada por um governo. a esquerda é sempre extrema, bicho mau e mãe de vícios. poucas palavras sobre o estado social, poucas vezes se pergunta para que serve um estado que se desresponsabilizou da saúde e da educação (e, há muito, do pão e da habitação).