Ser personagem
Eis alguma coisa que alguém escreveu a pensar em alguém. Dois beijinhos, incolores, para alguém e para mais alguém. E até já.
***
O fumo teimava em sair da ponta acesa do seu cigarro.
Sempre tinha sido assim e sempre iria ser assim. Sabia-o bem.
E hoje, ainda por cima, ela tinha acordado a preto e branco.
O caminho de sua casa até ao café não tinha passado de um filme silencioso, onde as legendas surgiam na sua mente e o desenrolar da história era ditado pelo seu olhar, mais ou menos aleatório.
O café em si não era mais do que uma mera gravura em tons de cinzento, já gasta e gretada nos cantos, mais ou menos no mesmo sítio do balcão onde ficava o boião dos rebuçados – agora velhos e pastosos, sem o sabor que adoça a boca das crianças
Até os papéis, aqueles presos com fita-cola, no vidro da porta da entrada do café, eram somente miseráveis recortes de jornal. Velhas notícias cortadas irregularmente, nitidamente sem sequer a ajuda de uma tesoura de corte irreversível, mas exacto.
Ela própria sabia que, pelo menos hoje (porque o futuro ainda não existia naquele preciso momento – nem sequer ainda a preto e branco), era a imagem bidimensional de uma qualquer foto monocromática de uma rapariga a fumar.
E o fumo teimava em sair da ponta acesa do seu cigarro.
Era sempre assim.
Até o cigarro inevitavelmente se apagar, esmagado no cinzeiro.
Era sempre aquele recordação gasta e gretada, de textura pastosa e sem qualquer sabor, cujos bordos tinham sido recortados, à mão e por ela mesma, entre um cigarro e um copo de uma qualquer bebida incolor.
Coimbra, 22:40, 16-8-2004
Sempre tinha sido assim e sempre iria ser assim. Sabia-o bem.
E hoje, ainda por cima, ela tinha acordado a preto e branco.
O caminho de sua casa até ao café não tinha passado de um filme silencioso, onde as legendas surgiam na sua mente e o desenrolar da história era ditado pelo seu olhar, mais ou menos aleatório.
O café em si não era mais do que uma mera gravura em tons de cinzento, já gasta e gretada nos cantos, mais ou menos no mesmo sítio do balcão onde ficava o boião dos rebuçados – agora velhos e pastosos, sem o sabor que adoça a boca das crianças
Até os papéis, aqueles presos com fita-cola, no vidro da porta da entrada do café, eram somente miseráveis recortes de jornal. Velhas notícias cortadas irregularmente, nitidamente sem sequer a ajuda de uma tesoura de corte irreversível, mas exacto.
Ela própria sabia que, pelo menos hoje (porque o futuro ainda não existia naquele preciso momento – nem sequer ainda a preto e branco), era a imagem bidimensional de uma qualquer foto monocromática de uma rapariga a fumar.
E o fumo teimava em sair da ponta acesa do seu cigarro.
Era sempre assim.
Até o cigarro inevitavelmente se apagar, esmagado no cinzeiro.
Era sempre aquele recordação gasta e gretada, de textura pastosa e sem qualquer sabor, cujos bordos tinham sido recortados, à mão e por ela mesma, entre um cigarro e um copo de uma qualquer bebida incolor.
Coimbra, 22:40, 16-8-2004
“Filme Mudo”
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