9 de agosto de 2004

Abat-jour

Quando eras pequenino, lia-te histórias antes de adormeceres. Ficavas muito tempo de olhos abertos, a imaginar ou talvez apenas a fitar as flores do tecido do abat-jour. Sabes, o abat-jour era aquela luzinha que eu nunca apagava antes de tu adormeceres, e às vezes ficavas muito, muito tempo de olhos abertos, tanto tempo que os meus olhos se apagavam antes da luzinha do abat-jour. Quando tenho saudades disto, de quando eras pequenino e eu te lia histórias, sento-me ao pé do abat-jour e fico muito tempo de olhos abertos, a fitar as flores do tecido.
Às vezes abro a gaveta da cómoda, às escondidas para o teu pai não ver porque o teu pai diz que abrir a gaveta da cómoda me faz mal. Tiro de lá de dentro um dos teus pijamas, desdobro-o e estendo-o assim em cima da cama, como se lá estivesses deitado. Leio-te uma história mas tu não me ouves, nunca soube se me ouvias ou se estavas só a olhar para o abat-jour. Então espero que os meus olhos se apaguem, sempre antes da luzinha do abat-jour. O teu pai traz um cobertor que cheira a
biscoitos, deita-me e acordo ao lado do teu pijama que cheira a gavetas, eu digo ao teu pai que não faz mal, que não volto a abrir a gaveta da cómoda mas ele já não está aqui.