28 de fevereiro de 2007

Semiologia

o dia da minha primeira aula de psiquiatria

Estava a ler o capítulo de semiologia e a pensar em tudo o que se passou hoje à minha volta. (Apesar dos julgamentos pouco agradáveis a que sou sujeita, mantenho a convicção de que a minha capacidade de fixação é inferior à mediana, e como não gosto de me sentir burra ou vista como tal, insisto em ir lendo sobre as coisas que me ensinam. Afinal, nem o faço extremamente contrariada, nem deixei de ter tempo para as coisas que me divertem, e ainda me meto em demasiados projectos paralelos, pelo que não posso dizer que o tempo que passo a ler capítulos de semiologia ou a fazer apontamentos coloridos me seja amputado.) E a pensar em tudo o que se passou hoje à minha volta. O que me levou a pensar nas razões que me trouxeram até aqui, que hoje se me afiguram como tropeções felizes, porque não foram objecto de escrutínios obsessivos nem de grandes sofrimentos antecipatórios: assim foi porque na altura me apeteceu, mas se me tivesse apetecido outra coisa teria sido de outra maneira e também estaria bem. Acho que o que de facto me realiza é empenhar o meu esforço e obter resultados, não dependendo assim tanto de em que raio empenho o meu esforço. (Ainda não me deu para as colecções. Mas e se desse?) Na altura apetecia-me ser psiquiatra, e aqui estou eu. Hoje podia ter sido o primeiro dia do resto da minha vida, mas não me parece nada. Que me interessam as Neurociências, isso sei eu. E uma das coisas que mais me fascinam nas ciências é terem ainda áreas de incerteza, e no caso das ciências médicas, especificamente, os mecanismos fisiopatológicos incompletamente esclarecidos. Parece que há quem leia isto ao contrário e me faça perder um bocadinho a vontade de colaborar no projecto freudiano. Mas voltando às razões. Quem me conhece um bocadinho e está à minha volta sabe isto: não gosto muito de pessoas iguais às outras, e às vezes entediam-me as pessoas sempre iguais a si mesmas. Isto porque quem está à minha volta não é, a priori, igual aos outros e às vezes não é igual a si mesmo. Não quer dizer que os outros sejam todos iguais, mas estes eu sei que são diferentes. Porque me empenho diariamente em adornar o meu circo privado, porque as pessoas são muito mais giras do que objectos de cabeceira e porque passei tanto tempo sozinha quando era pequenina que, para além de ser uma sorte não ter ficado marcadamente oligofrénica, não cheguei a definir rigidamente o conceito de normalidade na idade em que supostamente devia, e na altura em que dei Pessoa na escola a convenção pareceu-me, talvez por um ligeiro viés, obsoleta. Para além disso, há muito pouco tempo que aprendi que rir pode ser um acto estritamente social, e que não é menos divertido por isso. Ah, e que achar que se é feliz não faz mal, embora a probabilidade de se estar correcto seja ínfima. Só mais uma coisa. A primeira vez que pensei nisto a sério foi apenas motivada pela necessidade de extorsão: quando ainda não sabia que não se usam vírgulas entre o sujeito e o predicado, já escrevia umas coisas sobre equipas de futebol imaginárias, e desde essa altura que sei que o objectivo major da minha vida, da minha carreira académica e a única justificação plausível para eventuais situações de escravatura sexual é que o meu nome apareça na capa, na lombada e na ficha técnica de um livro. E contactar diariamente com pessoas que vêem, ouvem ou sentem coisas, têm medo de amarelo, acham a maçaneta de uma porta extremamente sensual ou não se conformam com a queda do salazarismo (como podem ver, sou uma pessoa com pouco potencial de criatividade a partir da realidade em bruto, já que estes são os exemplos mais exóticos de que me lembrei) seria, sem dúvida, uma mais-valia para a elaboração de um romance publicável nos dias de hoje.
Bom, que me interessam as Neurociências, isso sei eu.