30 de julho de 2004

Lisboa Pombalina

A persistência das ruas de uma Lisboa pombalina em confronto com o esquecimento de hábitos seculares. A possibilidade de uma fuga para o abstracto, já ali naquela esquina. O cheiro quente, acre e plebeu que sobe no ar, da porta de uma taberna que serve a devassidão dissimulada ao pequeno almoço. Mulheres com uma maquilhagem bizarra, já ali na outra esquina – afinal, nem todos os hábitos seculares se perderam. Personagens queirosianos fora do espaço e do tempo. A Rua das Flores sem flores e sem vida pulsátil, uns quantos estabelecimentos de conveniência, os alfarrabistas um bocadinho mais acima na Rua do Alecrim. Os candeeiros e o burburinho dos mercados, os filmes a preto e branco da infância do cinema, um Santana alcoolizado que desiste de monologar com o candeeiro, ignora-o com um ar vingativo e segue para a próxima esquina. O rio para onde me esqueci de olhar, os lugares onde ele parou.
(Blackout.)
Escrevo o teu nome nas paredes das ruas da cidade. Aos tropeções de ternura procuro o teu rosto em todos os corpos que dormem na clandestinidade. Quando amanhecer pode ser tarde, porque talvez nenhum rosto seja o teu. Se deixarem as luzes apagadas e a noite acesa vou acabar por escrever este poema mesmo sem o teu rosto, que pode habitar qualquer corpo, ainda que diferente de ti.

1 Comments:

Blogger Inês Vinagre said...

e a coimbra de outros tempos paira ainda sobre o ar saturado de gente nova, outros que vão e só voltam para derramar as lágramas na campa dos seus tempos mais felizes. No fundo nenhum cosmos existe por si só sem ser retraçado pelo nosso olhar analítico, mas, depois de adormecerem todos os corpos, as cidades continuam a sua respiração cansada e compassada, ensaiada ao longo de dias e dias e dias. E por mais que sejam nossas, serão sempre de todos aqueles outros Eus também, que virão quando nós nos formos.

1:12 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home