14 de março de 2006

IMPÉRIO (I - A Porta)

[NOTA: inclui esta nota no início do texto porque senão não ias ter paciência de chegar ao fim. esta primeira parte é dedicada a ti, irmã de armas, que abriste a porta do armazém ainda de cimento, que em breve terá vidro.]
entrei. - depois de atravessar a porta que marcou a minha primeira infância (por dar para a sala de tesouros tão inesperados como as chávenas chinesas com senhoras nuas no fundo) e depois desapareceu para agora voltar a ser a brecha para uma outra realidade dispersa. a porta é na esquina no edifício, por baixo de uma varanda que em tempos dizia «João Martins - Mediador de Seguros - IMPÉRIO». como todos os escritórios, sede de corrupção e local de práticas sexuais socialmente pouco ortodoxas e, mais pontualmente, capela do (mais jurídico do que) sagrado sacramento que cruzou duas linhas paralelas que se aproximavam perigosamente da meia-idade e que, dois anos mais tarde (seis anos depois do vermelho de setenta e nove), numa noite de quinta-feira-sexta-feira de novembro, poucas horas depois de rebentarem as águas à mulher que podia ter sido a Luísa do António Gedeão, viriam a sobrepor-se no primeiro choro do narrador.