25 de março de 2006

Pela Voz Contrafeita da Poesia

«yo soy poeta /señor / y usted debe saber que los poetas / vivimos a la vuelta de este mundo / claro que usted quizá no tenga tiempo / para tener paciencia / pero debe conocer que en el fondo / yo no creo en la política»
Mario Benedetti, in Interview (Poemas del hoyporhoy)



25 de Março de 2006, 16 horas. Jorge Falé e Paulo Reis na Sala de Leitura («a sala dos catraios!») da Biblioteca Municipal de Alcobaça (BMA) em «A Poesia Acontece» - sessão de leitura interactiva e dinâmica de poesia. Ou «um exercício de sedução: (...) chamar as pessoas à poesia e não escorraçá-las da palavra dita» - nas palavras do Jorge. Esta iniciativa foi uma organização conjunta do Núcleo de Literatura da Associação Pouco de Branco e da BMA. Com o objectivo de provar, com a ajuda do savoir faire dos intervenientes, que «um recital de poesia não tem que ser monocórdico, filosófico ou ataráctico».

um comentário na primeira pessoa:

numa fase da minha pós-adolescência em que a poesia é das poucas ficções humanas que detém ainda a capacidade de me fazer chorar, o puto da fila da frente, com os seus óculos rectangulares de aros vermelhos no nariz e os dentes da frente ligeiramente afastados, riu despejadamente, como um copo entornado. e riu porque as cartas de amor são, de facto, ridículas. é este o tipo de expressividade - o tal savoir faire dos intervenientes - que faz uma criança de 6 anos compreender o significado da palavra exdrúxulo. foi nesse momento que tive vontade de - das duas uma: ou baixar o limiar emocional e poder chorar por outras ficções humanas (talvez essas que ridicularizam as epístolas) ou de ver aqueles tipos encasacados, com um cachecol branco vagamente eclesíastico pelos ombros, da perspectiva daquele miúdo de óculos rectangulares de aros vermelhos. mais vale uma miss na mão do que duas a voar - optei pelos olhos da criança.

passado aquele momento crucial em que os aplausos deixam de ser politicamente correctos e passam a ser sinceramente convictos, os óculos enterraram-se mais no meu nariz. foi Alberto Pimenta - e não quero deixar de citar o verso que resume o que nos faz mover: JÁ TENTASTE PRATICAR O TUDO NÃO FAZENDO NADA?. bem e mal, isso são outras histórias. foi Alexandre O'Neill, e novamente o ridículo. desta vez o ridículo das mulheres na praia, gritando pelos filhos - prodigalizando-os com sanduíches de areia - e berrando com os maridos. Mário Cesariny e Manuel Alegre - não gravei na memória nenhum verso. em contrapartida recordo o último verso de um poema chamado Autópsia. permitam-me omiti-lo. e outros...
mais tarde, na mesa do café (entre o chá preto, os cappucinos e cigarros clandestinos e os malfadados bolos de noz da Dona Céu), lamentou-se o esquecimento dos autores sul-americanos nos nossos hábitos de leitura. falou-se em García Marquez e Pablo Neruda - os homens cujos depoimentos deixei no cemitério de raparigas. saúdo agora um desconhecido uruguaio que o Jorge e o Paulo me deram hoje a conhecer - Mario Benedetti (com certeza não é assim que se escreve), o homem das velhinhas democráticas - enquanto houver televisão, mudanças NÃO! a propósito da tradução, foi improvisada pelo Jorge. isto porque a única tradução existente estava na posse de um senhor que deixou durante anos em cima da mesa de cabeceira o copo por onde a falecida bebia água. e não conseguiu recuperar a tradução depois da sua morte porque afinal é verdade que a saudade mata. a propósito da versão original, não metia a palavra televisão, mas sim uma rádio de que não fixei o nome. a propósito do autor, tem um outro texto chamado «Los Formales y el Frío».
e recordo ainda Sophia - porque os outros se mascaram mas tu não. tu, entidade inexplicável.