15 de junho de 2009

Olhos Azuis Cabelo Preto

"Ela diz-lhe que um dia fará um livro sobre o quarto, acha que é um lugar por inadvertência, em princípio inabitável, infernal, uma cena de teatro fechada. Ele diz que retirou os móveis, as cadeiras, a cama, os objectos pessoais, porque desconfiava, não a conhecia e ela podia muito bem roubá-lo. Diz também que agora é o contrário, tem sempre medo que ela se vá embora enquanto ele dorme. Com ela fechada com ele no quarto não está completamente separado dele, do amante de olhos azuis cabelo preto. Ele pensa que é naquele quarto, com aquela luz de teatro, que se deve procurar o princípio daquele amor, desde muito antes dela, desde os verões da infância, que suportou como se fossem castigos. Ele não se explica."

"Ela diz-lhe que venha. Venha. Diz que é um veludo, uma vertigem, mas também, não se deve acreditar, um deserto, uma coisa malfazeja que também leva ao crime e à loucura. Pede-lhe que venha ver isso, que é uma coisa infecta, criminosa, uma água turva, suja, a água do sangue que um dia ele terá de o fazer, mesmo só uma vez, vasculhar naquele lugar comum, não vai conseguir evitar isso a vida inteira. Mais tarde ou esta noite, qual é a diferença?"

"Ela diz:
- Com o nome dele fiz uma frase. Nessa frase fala-se de um país de areia. De uma capital de vento.
- Nunca a dirá.
- Os outros hão-de dizê-la por mim mais tarde.
- O que quer dizer a palavra na frase?
- A igualdade dos destinos relativamente ao seu sono, talvez, nessa manhã? Face à praia, face ao mar, face a mim? Não sei."

"Ele diz-lhe que se enganou, que não é o dia a chegar, que é o crepúsculo, que eles se aproximam de uma noite nova, que vai ser preciso esperar que passe toda a duração dessa noite para se chegar ao dia, que se enganaram quanto à passagem das horas. Ela pergunta-lhe qual é a cor do mar. Ele não sabe.
Ele ouve-a chorar. Pergunta-lhe porque chora. Não espera pela resposta. Pergunta-lhe qual devia ser a cor do mar. Ela diz que o mar fica com a cor do céu que se trata menos de uma cor do que do estado da luz."

Marguerite Duras, in «Olhos Azuis Cabelo Preto»

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4 Comments:

Blogger a ortónima said...

já andei por essas paragens :)

gosto tanto de duras!

ela é exímia na descrição da relação do quarto com as personagens, de toda aquela intensidade e comunhão com quatro paredes no livro "Agatha". se puderes, lê também! ;)


***

10:32 da tarde  
Blogger T. said...

trouxe este e o "Lolita" para ler na praia. cheira a verão e não vou levar a minha preciosa edição do "Dom Quixote" para a areia. estou a gostar, vou lançada e terminarei em breve partindo para o próximo. :)

10:51 da tarde  
Blogger R. said...

praia praia! 5ªfeira vai um gelado?

11:30 da tarde  
Blogger T. said...

Helados !!!

9:19 da tarde  

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