28 de março de 2006

Carta ao Pai

Em Nome de Electra
porque os outros se mascaram, mas tu não.

porque cedo me ensinaste que entre o sujeito e o predicado não cabe uma vírgula, mais tarde - mas não tarde demais - deduzi que o sujeito se define pela acção. é assim, não é? (ainda não vendi o corpo ao homem que tem o teu nome na alma. aos que tentam comprá-lo, exijo como moeda de troca instantes de veneração depois de eu contar o teu episódio da Metrópole.) é por isso que não posso deixar que a interpretação dos factos por outrem se sobreponha à minha representação. a mãe contou-me que choraste no funeral do Sr. Gilberto. foram cravos vermelhos que deixaste cair, não foram? a mãe deve ter pensado que eram gotinhas nos olhos, que disparate. e lembras-te das tardes de família em que nos refugiávamos no carro, tu a escreveres no teu bloco-de-notas-de-jornalista as estórias de bonecas feias que eu ditava e eu a ilustrá-las - curioso como, já nessa altura, a minha representação do corpo humano era mais pormenorizada do que a tua. ainda assim valorizava os teus rabiscos. (de cada vez que dislumbro esse nome numa alma diferente da tua, deixo de ter corpo para vender. quero fugir e abraçar-me nela. e saber que vais continuar.)