3 de abril de 2006

«Protagonista/Plateia»

em memória de uma Julieta morta. ou ao desagrilhoamento de Prometeu.
«Apesar das regras que seguimos, às vezes sem nos darmos conta, existe na nossa vida algum espaço de criatividade. Aliás, a vida de cada um de nós é uma verdadeira obra de arte, uma grande encenação teatral. É suposto que autor, encenador e protagonista sejam a mesma pessoa (cada um de nós), mas isso raramente acontece. Em geral, já que muitos guiões e cenários são postos à nossa disposição, temos a possibilidade de saltar de uns para outros. Ou então tentamos rescrever o texto e fazer pequenas mudanças no cenário e adereços. Mas a margem de manobra não é tão grande como supomos, e será tanto menor quanto menos consciência tivermos disso. Mesmo quando estamos a viver um grande momento, deveríamos perguntar se não estamos reproduzindo algum romance escondido sob o entulho da nossa memória, romance esse transformado agora em automatismos do nosso corpo.»
(...)
«É assim que, por detrás da nossa vida, existem sempre importantes personagens ocultas. Para além das mais óbvias, é nestas personagens que podemos descortinar a racionalidade (ou aparente irracionalidade) das nossas vidas. São sempre pessoas significativas que, indirectamente, nos moldam. Nem sempre nos apercebemos delas, e chega a acontecer que ignoremos completamente a sua influência enquanto continuamos o espectáculo...para elas, Se o leitor quiser saber quem constitui essa sua plateia, talvez seja melhor consultar um psicanalista

J. L. Pio Abreu, in Como Tornar-se Doente Mental

para além de formular a carta de recomendação à leitura deste pequeno manual, recordo, a propósito do primeiro parágrafo, a Anny que transportava consigo todos esses adereços aparentemente inúteis mas necessários à idiossincrasia. e, ainda, as suas situações privilegiadas e os seus momentos perfeitos - ainda cabem nos nossos dias?