29 de maio de 2008

Doença Infantil

with the lights out is less dangerous.
num misto de entusiasmo juvenil e agitação intelectual, brandiam as bandeiras que acendiam a avenida e lembravam aos espectadores nas varandas que há cores que não se apagam. marxismo, leninismo e socialismo são palavras bonitas, é intrigante que tenham caído em desuso. mas pronunciam-se agora outros epítetos e blasfémias, sob o signo da actualidade e pela evasão aos costumes. há que ser moderno para conquistar eleitorado, mostrar às raparigas que as cartas de direitos podem ser tão empolgantes quanto as revistas de moda, que saber falar de moral é tão encantador como saber jogar vólei de praia. é preciso fazer acções de rua todos os dias como as distribuidoras de cereais e refrigerantes. porque alguém esquizofrenizou este país e nos deixou sem memória colectiva. somewhen in the 90s.
here we are now. entertain us.

27 de maio de 2008

Paisagem Neo-Realista

(ou a Poesia na actualidade)

no terraço do meu prédio,
há um grelhador,
um sinal de trânsito,
um faqueiro de plástico,
uma bandeira portuguesa,
duas gavetas de frigorífico
e uma bola de basket.

26 de maio de 2008

Driving in your Car

ao volante do seu automóvel de modelo desportivo, ouve na rádio a notícia de que uma rede de supermercados multinacional decretou o racionamento do arroz, tendo revogado a decisão umas horas mais tarde, devido à pressão de um órgão de defesa do consumidor. ao volante do seu automóvel de modelo desportivo, a hiperprodução continua a ser a consequência lógica e necessária do progresso económico e, afinal, que consequências negativas poderão dela advir? a fome continua a ser um problema alheio e, portanto, um exercício filosófico no plano abstracto, mesmo assim tópico a evitar num momento de espera no trânsito. há tantas outras coisas em que pensar. a direcção assistida, o ar condicionado, as jantes de liga leve.

25 de maio de 2008

Clairefontaine

procurava, todos os dias, reproduzir a perfeição das coisas num sketch book. entre desenhos e escritos, tentava surpreender a poesia entre um casal de longa data que permanecia em silêncio na mesa de café, nos pombos atropelados desfeitos na estrada, no desânimo dos transeuntes, na sua própria anedonia. como uma personagem de animação japonesa, vestia roupas escuras, cortava o cabelo de uma maneira estranha e não compreendia a hierarquia social nem a expressão "ordem natural das coisas". descobriu Allen Ginsberg, e passou meses a ler o Uivo, porque cada verso era mais do que tudo o que havia conseguido registar do mundo até então. e, não sabe bem quando, desistiu de registar o mundo. no entanto, os pombos continuaram a ser atropelados e desfeitos. talvez ainda soubesse escrevê-los.