Caos Criativo
«Nos meses e anos após teres sido expulso de Berlim-Oeste, entrei num buraco total. De que serviam uns tantos carros incendiados e janelas partidas? A verdade é que o nosso movimento não era inspirado pela vontade das classes oprimidas, mas sim por um sentimento burguês de culpa por parte dos mais afortunados. Mergulhado naquela desorientação pessoal, pus-me a considerar as míseras alternativas que eu podia escolher. Segundo os nossos autores anarquistas, um conflito mundial deve conduzir a um caos criativo. Se esse caos fosse explorado com inteligência, deve dele emergir uma sociedade livre. Mas olhando à minha volta tive de reconhecer que as condições prévias para o caos criativo não existiam, nem existiam os seus exploradores inteligentes. O caos pressupõe um vazio do poder e o poder da burguesia ganhava terreno em toda a parte, tal como a força militar dos Estados Unidos, de quem a Alemanha Ocidental era actualmente o arsenal e o cobarde aliado numa guerra mundial que parecia inevitável. Quanto aos exploradores inteligentes, estavam demasiado entretidos a acumular lucros e a guiar Mercedes para se aproveitarem das oportunidades que nós lhe tínhamos criado.»
John Le Carré, in Amigos Até ao Fim