28 de abril de 2007

Hey! What's the Big Idea?

a carta roubada
cão solteiro
a companhia cão solteiro - "o cão", como ouvimos chamar-lhe - reside na rua do crucifixo, no antigo edifício da casa senna. em cena desde 20 de abril, a carta roubada é uma peça para três actores e poucas cores. o elemento central do cenário é uma mesa comprida que atravessa duas divisões, a parede um coração trespassado. em cima da mesa, um pássaro preto agrilhoado a pesadas correntes. as mulheres vestem de azul. uma delas, o azul mais escuro, baralha as peças de um puzzle, tentando reconstruir a imagem. a outra, o azul menos escuro, rigorosa na postura e delicada nos gestos, leva repetidamente à boca colheres de um fluido branco. na interacção ( ? ) está latente uma permanência-ausente-ausência permanente. alguns minutos se passam até aos primeiros ruídos. os dedais com garras metálicas, as trocas repetidas de roupa, o bater de asas no andar de cima, o silêncio sustido no escuro, o tiro. ele aparece no final. (não se conta o final).

25 de abril de 2007

Chá de Cerejas Selvagens

um cravo caído no banco de um táxi lisboeta.
amanhã, alguém o encontrará.
uma mulher que chegou de viagem, ou um homem que corre atrás de uma prostituta chamada esperança, porque quer casar com ela, fazer dela uma mulher séria que recebe visitas para o chá, todas as tardes, às cinco. chá de cerejas selvagens.

20 de abril de 2007

Alma Líquida

tenho um problema com a alma que é ela ser grande demais para caber no meu crânio e por isso nunca pára quieta, a tentar encontrar a melhor posição, uma em que não se magoe, a tentar aconchegar-se. quando vê que não consegue zanga-se, passa sorrateira para a caixa onde bate o coração e depois briga com as costelas e quando dou por ela a cabeça está sem alma e o coração está apertado. está claro, a minha alma é líquida, por causa do nihilismo que apanhei nas aulas de filosofia, e circula pela espinha e pelos ventrículos cerebrais, só por isso é que consegue andar assim de um lado para o outro, mas quando ela fica assim é como se fosse de pedra porque fica áspera e dói.

Espelho Meu


6 de abril de 2007

Uma Revolução Surrealista

« O mundo inteiro não cessa de se assombrar com esta «revolução das flores». Disparos de pétalas em vez de tiros. Efusão de perfume em vez de sangue. «Uma revolução surrealista», eis a súmula dos relatos que os boquiabertos jornalistas estrangeiros despacham pelos telexes para os jornais que estampam a esquisita maravilha. São de facto mais os cravos do que as palavras traduzem a poética desta liberdade que a todos irmana. E aos punhados desabam flores sobre as cabeças dos militares que, nas margens do cortejo, vão sendo vitoriados.
»
Idem, p. 29

5 de abril de 2007

Esquisito

«Saudemos este país liricamente esquisito que da sua casca de noz tira mundos que dá ao mundo e altera a lógica violenta das revoluções derrubando sem tiros e sem sangue uma ditadura semi-secular.»
Idem, p. 20

4 de abril de 2007

Ladrões

à R., que me apresentou a Natália, sob o pretexto de me reconhecer na sua escrita.
ao M., que sofreu as consequências de a R. me ter apresentado a Natália, e com quem vou partilhando os parágrafos que leio como um animal se espreguiça ao sol.
porque ambos acreditam numa liberdade possível.

«
- O tio diz que a liberdade é impossível.
- Isso dizem os ladrões dos caminhos de sangue. O sangue sabe e infinitamente corre para a verdade que o chama por trás do cenário pintado da vida.
- Quem pintou o cenário, Mãe?
- Os tiranos.
- Quem são os tiranos?
- Os usurpadores do presente.
»
Natália Correia, in «Não Percas a Rosa», p.16

1 de abril de 2007

Regressei


depois de uma ausência mais ou menos longa, regressei. duas ou três coisas sobre o meu mundo actual: os meus dias voltaram a ter mais horas, agora que o sol dá mais luz. o vento tem-me atormentado um bocadinho. não tenho escrito, mas tenho divagado alguma coisa. os livros que tenho aos pés da cama neste momento são «Dona Flor e Seus Dois Maridos», de Jorge Amado, e «Não Percas a Rosa», de Natália Correia. a compra deste segundo foi absolutamente acidental. entrei na loja porque o M. me arrastou para ir procurar BD's, e ali estava a autora que exacerba a minha sensibilidade táctil a dois euros e noventa na estante dos livros que ultimamente não se vendem muito e têm que ser despachados. ainda não sei muito bem o que fazer com ele: estou cheia de vontade de o ler ao ritmo de chávenas de café (para mim isto é relativamente rápido), e de o mandar logo a seguir para a R. - mas e se ela já o tem?