28 de junho de 2009

Farol da Salga

que os açores são o sítio mais bonito do mundo como alguém insiste eu só acredito vendo com os meus próprios olhos. mas esta fotografia, que a D. me mandou pelo correio depois de eu muito pedinchar um postal, é sem dúvida das mais bonitas da minha colecção de sítios-que-fazem-pensar-que-a-vida-tem-sentido. do farol da salga, na ilha terceira.

Praia da Nazaré

a nazaré era a minha praia em miúda, que fui em tempo de vacas gordas. alugávamos uma casa à quinzena numa das ruas estreitas com estendais a cheirar a detergente da roupa, uma barraca perto do são miguel e todos os dias acordávamos com a esperança de que era hoje que ia abrir o sol antes do meio-dia, o que raramente se concretizava. lembro-me bem daqueles gelados de máquina com duas cores (amarelo-baunilha e rosa-morango ou castanho-chocolate) que derretiam em dois minutos, das vítimas dos peixes-aranha sendo transportados até ao pronto socorro e das tardes, em pleno agosto, em que o nevoeiro caía depois de almoço e começava a chover daí a pouco. lembro-me da bolacha americana, do olá-fresquinho-olhó-gelado e das senhoras vestidas de branco a vender bolas de berlim, mil-folhas e sardinhas (que para quem não sabe são uns bolos de massa folhada com recheio de creme de ovo). lembro-me do castelo insuflado onde os outros meninos saltavam felizes. a mim nunca me deixaram ir lá brincar.
de alturas do ano menos propícias à prática balnear também tenho diversas recordações, das marchas de carnaval, da meia maratona (com o meu pai), da carrinha já em finais de setembro anunciado a tourada, da romaria feminina (eu, a minha mãe e uma amiga dela) à feira das sextas-feiras, do passeio de carro na marginal ao domingo à tarde. e tenho uma fotografia em que estou eu, tão pequena que não me lembro daquele dia, de caracóis louros e ar perdido rodeada por gaivotas.
no sábado de manhã lá voltei mais uma vez, porque é a praia mais facilmente alcançável por transportes públicos ainda lá vou de vez em quando, e depois de ter passado por um casal nativo em trajes negros, ele de calça arregaçada e ela de calções de ciclista, pus-me a pensar em todas as recordações que tenho da nazaré, que era a minha praia em miúda.

25 de junho de 2009

Zeitgeist

sendo o interlocutor por força das circunstâncias imaginário, travamos tântricos diálogos sobre o conceito de zeitgeist, que definimos sem hesitações vocabulares e com a convicção de que poderá acontecer agora. todos os dias relativizamos e reformulamos as nossas ideias sobre o mundo como crianças aprendendo a pensar. sendo o interlocutor imaginário procuro o seu conforto de braços no meu sono, e surpreende-me até que o encontre às vezes ao acordar. porque me rodeio de encantadores fantasmas de afectos, não lastimo este estar só.

22 de junho de 2009

O Estado das Coisas

Der Stand Der Dinge / 1982
Wim Wenders

também prefiro o preto e branco. porque transporta para um tempo remoto em que a memória se dilui e é transformável. também prefiro a tela europeia, tinta de paisagem e personagem, lenta e mortiça, que não impõe velocidade. também prefiro a realização sem fundos.

Etiquetas:

21 de junho de 2009

Summertime

estou de novo um pouco perdida na política internacional. não sem algum remorso, tenho dispendido o meu tempo lúdico em ocupações de verão. entre concertos de jazz em cafés de bairro e arraiais animados por música do mundo, não tenho acompanhado o rescaldo das eleições em teerão. às vezes penso em temas como a sujeição da espécie humana às leis de darwin ou a aplicabilidade da teoria de lamarck apesar de refutada, mas depressa volto a concentrar-me no que parece ser realmente importante nesta época: a esplanada, o mar, os vestidos de tecidos com padrões étnicos, a literatura condizente com o clima e o cinema ao fim da tarde. os vestidos fazem-me pensar nos benefícios da multiculturalidade (que obviamente não creio cingir-se aos padrões) e em como a diversidade é fundamental para a evolução, nas ficções humanas como nas espécies animais. como há quem não entenda patavina do que escrevo, há quem não pense como eu. deixo o facto científico de que a consanguinidade está associada à perpetuação de doenças graves e características maladaptativas.

15 de junho de 2009

Olhos Azuis Cabelo Preto

"Ela diz-lhe que um dia fará um livro sobre o quarto, acha que é um lugar por inadvertência, em princípio inabitável, infernal, uma cena de teatro fechada. Ele diz que retirou os móveis, as cadeiras, a cama, os objectos pessoais, porque desconfiava, não a conhecia e ela podia muito bem roubá-lo. Diz também que agora é o contrário, tem sempre medo que ela se vá embora enquanto ele dorme. Com ela fechada com ele no quarto não está completamente separado dele, do amante de olhos azuis cabelo preto. Ele pensa que é naquele quarto, com aquela luz de teatro, que se deve procurar o princípio daquele amor, desde muito antes dela, desde os verões da infância, que suportou como se fossem castigos. Ele não se explica."

"Ela diz-lhe que venha. Venha. Diz que é um veludo, uma vertigem, mas também, não se deve acreditar, um deserto, uma coisa malfazeja que também leva ao crime e à loucura. Pede-lhe que venha ver isso, que é uma coisa infecta, criminosa, uma água turva, suja, a água do sangue que um dia ele terá de o fazer, mesmo só uma vez, vasculhar naquele lugar comum, não vai conseguir evitar isso a vida inteira. Mais tarde ou esta noite, qual é a diferença?"

"Ela diz:
- Com o nome dele fiz uma frase. Nessa frase fala-se de um país de areia. De uma capital de vento.
- Nunca a dirá.
- Os outros hão-de dizê-la por mim mais tarde.
- O que quer dizer a palavra na frase?
- A igualdade dos destinos relativamente ao seu sono, talvez, nessa manhã? Face à praia, face ao mar, face a mim? Não sei."

"Ele diz-lhe que se enganou, que não é o dia a chegar, que é o crepúsculo, que eles se aproximam de uma noite nova, que vai ser preciso esperar que passe toda a duração dessa noite para se chegar ao dia, que se enganaram quanto à passagem das horas. Ela pergunta-lhe qual é a cor do mar. Ele não sabe.
Ele ouve-a chorar. Pergunta-lhe porque chora. Não espera pela resposta. Pergunta-lhe qual devia ser a cor do mar. Ela diz que o mar fica com a cor do céu que se trata menos de uma cor do que do estado da luz."

Marguerite Duras, in «Olhos Azuis Cabelo Preto»

Etiquetas:

14 de junho de 2009

Flirt

é tal e qual como ter dezasseis outra vez. isso parece não te interessar. sinto a falta de ouvir respirar. tenho as minhas ocupações e interesses semi-fúteis, levo a vida como posso e não sinto nem desespero nem angústia, mas sinto a falta de ouvir respirar. aparentemente não te dás conta de que te sinto a falta sem nunca teres sido muito mais do que a minha própria respiração a um ritmo diferente. é mesmo só um eco, e ainda assim é como ter dezasseis outra vez porque penso em ti antes de adormecer e às vezes quando acordo, ou durante o dia só porque está sol. penso mesmo muitas vezes em ti e a nossa estória resume-se a isso, o que me deixa um bocadinho triste, porque não tinha dezasseis há tanto tempo e agora custa-me a habituar-me a este romantismo egoísta. seria muito mais fácil se me levasses a comer gelados na praia, lesses poemas deitado na minha barriga e me desses a mão no cinema.

11 de junho de 2009

Johnny and a Guitar


estrada fora, mar adentro

é nestes dias de improviso, em que acabo acidentalmente a percorrer estradas nacionais sem mapa num carro dos anos oitenta, com areia nos pés e no cabelo, a levar com o vento nas orelhas e a cantar músicas do zeca e do chico buarque (e dos afonsinhos do condado), que me sinto próxima da felicidade. desta vez foi o alentejo. da costa ao interior. as rochas, o céu de estrelas, a luz da lua nas ondas do mar, as azinheiras, os girassóis, os ninhos das cegonhas, os sinais de perigo anunciando animais a atravessar o caminho, os castelos, os palácios e os moinhos. obrigada a quem vai fazendo caminhos comigo. dançando na praia e rebolando no chão.

Etiquetas:

7 de junho de 2009

63%

sobre o significado da abstenção nas eleições europeias (em portugal)

primeiro, creio que este valor terá sido avultado pelo recenseamento automático. não se tratando de um viés estatístico, trata-se pelo contrário da anulação de um viés, com maior expressão demográfica, uma vez que o universo não se cinge aos eleitores que pelo recenseamento afirmaram a vontade de exercer o direito de voto, correspondendo sim à fracção populacional com idades superiores a 17 anos. pelo que comparativamente aos valores em eleições anteriores não o considero alarmante, muito embora triste ainda assim. porque se ouço por aí dizer que votar é um dever, uma obrigação moral, um frete cívico, ou sei lá que mais, continuo a perspectivar o voto acima de tudo como um direito.
segundo, e ao contrário do que tento transmitir a quem puxa o assunto da democracia à refeição, e faz uma confusão danada com brancos, nulos e abstenções, admita-se que na prática esta abstenção terá sido parcialmente uma declaração, uma expressão anti-europeísta. pois não devem ser só 10,5% zangados com a brincadeira do tratado de lisboa. nem tudo o que é internacional é bom (esta frase exige longas explicações, que darei atempadamente a quem mas pedir - adianto já que esta europa não me parece uma terra sem amos). daqui para a frente volto a explicar pacientemente a quem não entende a diferença entre uma coisa e outra que um voto nulo implica desenhar bonecada no boletim de voto, insultar o candidato do partido do governo ou fazer cruzes em todos os quadrados enquanto a abstenção é não ir lá. e o voto branco é um voto sem cruzes, sem bonecos e sem insultos. parece-me simples.
como sempre tentei arrastar a minha mãe comigo, que hoje me respondeu num tom de demissão anarquista ao qual achei uma certa graça. mas este ano ainda terei mais duas oportunidades.

3 de junho de 2009

Desamor

(carta ao meu chefe)

senhor professor, bem aceito a minha medíocre condição, bem sei que perco a conta se conto os passos do caminho até chegar aos seus calcanhares, reconheço a pobreza do meu intelecto e a escassez da minha experiência. mas doutor, há dias em que saio da cama só porque não consigo lidar com o remorso de lá ficar, e se não cedo à tentação de largar o curso natural das coisas a meio e mudar de vida (ir quiçá para uma ilha paradisíaca ou mesmo para um desses cenários bélicos que tanto me seduzem), por favor poupe-me o seu mau feitio.

1 de junho de 2009

MJ

parece que percebi, finalmente, a finalidade dos fins-de-semana. fui à praia e dediquei-me à extenuante tarefa de ignorar as obrigações e ler pequenas peças sobre shoppings, a febre dos gadjets e operações de salvamento da polaroid. aproximei-me das massas, vá. fiquei a saber que filmes estão em cartaz no cinema comercial. enterrei-me no sofá a ver o homem-aranha, que estava a dar na televisão, e fiquei muito zangada porque o peter parker não fica namorado da mary jane. aquilo não se faz, ainda para mais à kirsten dunst. assumi que durante estas singulares quarenta e oito horas não teria que manter o meu índice de produtividade e gostei. hei-de fazer isto mais vezes. hoje, pela primeira vez na minha ainda breve vida, passei a manhã de mau humor (que refinadamente consegui ocultar) só por ser segunda-feira, por o meu despertador ter tocado enquanto eu sonhava com qualquer coisa boa, por não poder prolongar o dolce fare niente.