18 de agosto de 2004
15 de agosto de 2004
(D)Andy W.
WHARHOL, (Andy), pintor e cineasta norte-americano de origem eslovaca (Pittsburgh, 1929 - Nova Iorque, 1987). Como plasticista, um dos representantes da pop art, procedeu por multiplicação de uma mesma imagem de base fotográfica com permutações de cor. Ao exaltar assim a banalidade da sociedade de consumo e de mediatização, foi um dos chefes de fila da contracultura.
10 de agosto de 2004
Auschwitz
não tenhas saudades minhas. lembra-me antes de mansinho antes de dormir, lembra-me como se lembram os contos de encantar e os (não menos encantadores) terrores da alma que não deixaram marcas. ou lembra-me então como eu lembro auschwitz. de qualquer das formas, lembra-me apenas. as saudades são um conforto das almas acomodadas.
(escrito a 27 de Julho de 2003. achei que seria um apontamento curioso.)
9 de agosto de 2004
Abat-jour
Quando eras pequenino, lia-te histórias antes de adormeceres. Ficavas muito tempo de olhos abertos, a imaginar ou talvez apenas a fitar as flores do tecido do abat-jour. Sabes, o abat-jour era aquela luzinha que eu nunca apagava antes de tu adormeceres, e às vezes ficavas muito, muito tempo de olhos abertos, tanto tempo que os meus olhos se apagavam antes da luzinha do abat-jour. Quando tenho saudades disto, de quando eras pequenino e eu te lia histórias, sento-me ao pé do abat-jour e fico muito tempo de olhos abertos, a fitar as flores do tecido.
Às vezes abro a gaveta da cómoda, às escondidas para o teu pai não ver porque o teu pai diz que abrir a gaveta da cómoda me faz mal. Tiro de lá de dentro um dos teus pijamas, desdobro-o e estendo-o assim em cima da cama, como se lá estivesses deitado. Leio-te uma história mas tu não me ouves, nunca soube se me ouvias ou se estavas só a olhar para o abat-jour. Então espero que os meus olhos se apaguem, sempre antes da luzinha do abat-jour. O teu pai traz um cobertor que cheira a biscoitos, deita-me e acordo ao lado do teu pijama que cheira a gavetas, eu digo ao teu pai que não faz mal, que não volto a abrir a gaveta da cómoda mas ele já não está aqui.
Às vezes abro a gaveta da cómoda, às escondidas para o teu pai não ver porque o teu pai diz que abrir a gaveta da cómoda me faz mal. Tiro de lá de dentro um dos teus pijamas, desdobro-o e estendo-o assim em cima da cama, como se lá estivesses deitado. Leio-te uma história mas tu não me ouves, nunca soube se me ouvias ou se estavas só a olhar para o abat-jour. Então espero que os meus olhos se apaguem, sempre antes da luzinha do abat-jour. O teu pai traz um cobertor que cheira a biscoitos, deita-me e acordo ao lado do teu pijama que cheira a gavetas, eu digo ao teu pai que não faz mal, que não volto a abrir a gaveta da cómoda mas ele já não está aqui.
8 de agosto de 2004
Short Story (Wittgenstein)
As Três Moscas de Wittgenstein são claustrofóbicas, perturbadas e egocêntricas. Têm as asas partidas. Estão fechadas dentro de uma garrafa (vazia) de MARIE BRIZARD. As letras do rótulo vêm-se através do vidro, em espelho.
6 de agosto de 2004
Friday I'm in love
monday you can fall apart
tuesday wednesday break my heart
thursday doesn't even start
it's friday I'm in love
saturday wait
and sunday always comes too late
but friday never hesitate...
tuesday wednesday break my heart
thursday doesn't even start
it's friday I'm in love
saturday wait
and sunday always comes too late
but friday never hesitate...
(The Cure)
5 de agosto de 2004
Quintas-feiras
Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível - por causa da legenda...
Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda -
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...
- Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como estou.
Em Paris, é preferível - por causa da legenda...
Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda -
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...
- Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como estou.
Paris - novembro 1915.
(Mário de Sá-Carneiro)
4 de agosto de 2004
1972
o sótão. o tecto era inclinado e azul. as paredes dos lados eram vermelhas. a parede atrás de mim – vermelha – tinha quadros. o vermelho de 72. havia um tapete em forma de sol, cor-de-laranja, no chão. lembrei-me de ti, por causa dos sons. um dia, ensinas-me a ler os sons? e a adivinhar o minuto seguinte na imprevisibilidade do segundo presente?
um dia, compro aquela casa. a escada em caracol, o retrato a sépia em cima da secretária, o triângulo de vazio no vidro das janelas de baixo.não percebo como te esqueceste do sol. o tecto imaculadamente branco, com a rosácea esculpida na neve, as portadas duplas e os móveis altos e excessivamente trabalhados. tudo isso podias ter esquecido. até mesmo os fantasmas que voam pela casa. até mesmo essa tal cor enfadada que o avô espalhou pela casa. mas não percebo como esqueceste o sol...
um dia, compro aquela casa. a escada em caracol, o retrato a sépia em cima da secretária, o triângulo de vazio no vidro das janelas de baixo.não percebo como te esqueceste do sol. o tecto imaculadamente branco, com a rosácea esculpida na neve, as portadas duplas e os móveis altos e excessivamente trabalhados. tudo isso podias ter esquecido. até mesmo os fantasmas que voam pela casa. até mesmo essa tal cor enfadada que o avô espalhou pela casa. mas não percebo como esqueceste o sol...
3 de agosto de 2004
La Chinoise
GODARD, (Jean-Luc), cineasta francês (n. Paris 1930). Crítico, logo no seu primeiro filme, À bout de souffle, 1960, dá o tom da nouvelle vague: personagens românticas, desenvoltura e vivacidade de uma narração cheia de citações literárias, pictóricas e cinematográficas. Realiza em seguida: Le Petit Soldat (1960), Vivre as vie (1962), Les Carabiniers (1963). Com Le Mépris (1963), retira do romance de Moravia uma tragédia soberba e implacável que põe em causa as relações entre homens e mulheres, entre cineastas e produtores, entre cinema e realidade. Este primeiro período continua com Pierrot Le Fou (1965), La Chinoise (1967). Depois de 1968, realiza principalmente filmes militantes e experiências com vídeo.
Fumo, paro de escrever, fumo e relembro a exaltante acentuação da rapariga loira, no bar, quando me disse: «Você é da geração de 60». Nessa época era preciso ter coragem para se ser mau, e pensávamos que o acontecimento menos natural seria talvez viver-se como um ser humano. Jean-Luc Godard proclamava, um tanto imbecilmente, penso hoje: «Sou um trabalhador artístico da informação». Exibicionismo de palavras a que a nossa formação se opunha mas cujo objectivo transgressivo louvávamos em pensamento.
(Baptista Bastos)
2 de agosto de 2004
Farsa (de Julieta morta)
tu dizias que nunca ias cansar-te da minha farsa. então eu fitava-te fixamente, através da cortina translúcida que separa o palco das cadeiras de veludo vermelho, a cortina translúcida que sempre me separou de ti. prendia o cigarro entre os lábios – slow motion – até o fumo se tornar símbolo.
dizias que nunca ias cansar-te da minha farsa. que estarias sempre na primeira fila da plateia, noite após noite. que nunca ias cansar-te da minha farsa. que em cada noite desvendarias um novo enredo no meu sorrir. (sim, então eu sorria.) desvelava palavra a palavra som a som o monólogo, até me esquecer de tudo era uma farsa, até me esquecer de que a noite era um pano preto.
dizias que nunca ias cansar-te da minha farsa. que estarias sempre na primeira fila da plateia, noite após noite. que nunca ias cansar-te da minha farsa. que em cada noite desvendarias um novo enredo no meu sorrir. (sim, então eu sorria.) desvelava palavra a palavra som a som o monólogo, até me esquecer de tudo era uma farsa, até me esquecer de que a noite era um pano preto.
(tantas vezes te esqueceste de aplaudir. sabes que Julieta morre quando não ouve os aplausos no fim do veneno?)
dizias que nunca ias cansar-te da minha farsa.
de novo o cigarro entre os lábios – desta vez tão lento que...
depois o improviso. tu continuas a não aplaudir e o quinto acto terminou há muito é quase manhã o pano preto vai romper não posso improvisar mais...já não há cigarros o maço está vazio. o silêncio também é uma palavra... de novo, improviso. a cadeira (nos monólogos há sempre uma cadeira, no centro do palco) através da cortina de vazio que me separa de ti, a cadeira em pó aos teus pés e tu sem aplaudir. dizias que nunca ias cansar-te da minha farsa.
dizias que nunca ias cansar-te da minha farsa.
de novo o cigarro entre os lábios – desta vez tão lento que...
depois o improviso. tu continuas a não aplaudir e o quinto acto terminou há muito é quase manhã o pano preto vai romper não posso improvisar mais...já não há cigarros o maço está vazio. o silêncio também é uma palavra... de novo, improviso. a cadeira (nos monólogos há sempre uma cadeira, no centro do palco) através da cortina de vazio que me separa de ti, a cadeira em pó aos teus pés e tu sem aplaudir. dizias que nunca ias cansar-te da minha farsa.
(eu, agora, Julieta morta no centro do palco. o pano preto caiu. cansaste-te da minha farsa.)
Outra(s) Ítaca(s)
Mas hoje é a Praga que regresso. Entretanto, passei duas vezes, com algum tempo, pelos lugares de Kafka (e de outros, no território da antiga Boémia). Voltar à travessa dos Alquimistas, e à casinha onde Kafka escreveu algumas das histórias de uma obra que é toda ela uma parábola que fala constantemente da impossibilidade de acesso à verdade num mundo de pura contingência, é constatar ao vivo o sentido dessa contingência e da acção do tempo nela. A ruela, que imagino sombria e fantasmática quando Kafka a atravessava para regressar à casa paterna depois da escrita nocturna, é hoje uma paleta de cores fortes, e bem podia chamar-se a travessa dos Turistas.
Kafka foi, como vários outros membros do chamado «Círculo de Praga», figura de cafés. Lia os seus textos (mas hesitava muito em publicá-los) aos amigos como se fossem histórias cómicas, no menos absurdas, no Café Arco e no Salão Fantas, ao lado daquele que hoje se chama Café Milena. O Arco já não existe, ao Milena fui algumas vezes. Kafka era guloso, apesar daquele ar doente e ascético.
Uma questão de mundos (antagónicos), o da escrita e o do comércio. Quem vive para comprar e vender não pode compreender o impulso de liberdade contido no acto inútil da escrita. Quem compra e vende está todo no dinheiro que faz, quem não compra nem vende está disponível para ser o que escreve. E Kafka, apesar de também ser funcionário cumpridor de uma companhia de seguros, “é o corpo da sua escrita, e esta é a escrita de um tempo e de uma condição”.
Faz certamente sentido dizer que os escritos de Kafka, que vivem de pôr em linguagem o olhar que descobre gestos e sinais num lugar limitado, Praga e o seu pequeno mundo, são inesgotáveis para a leitura. E são inesgotáveis porque, indo ao fundo do que há de mais incomodamente humano, nos colocam diante dos olhos sucessivos espelhos que nos assustam, pela identificação que sobressalta e pelo mistério que inquieta.
Kafka foi, como vários outros membros do chamado «Círculo de Praga», figura de cafés. Lia os seus textos (mas hesitava muito em publicá-los) aos amigos como se fossem histórias cómicas, no menos absurdas, no Café Arco e no Salão Fantas, ao lado daquele que hoje se chama Café Milena. O Arco já não existe, ao Milena fui algumas vezes. Kafka era guloso, apesar daquele ar doente e ascético.
Uma questão de mundos (antagónicos), o da escrita e o do comércio. Quem vive para comprar e vender não pode compreender o impulso de liberdade contido no acto inútil da escrita. Quem compra e vende está todo no dinheiro que faz, quem não compra nem vende está disponível para ser o que escreve. E Kafka, apesar de também ser funcionário cumpridor de uma companhia de seguros, “é o corpo da sua escrita, e esta é a escrita de um tempo e de uma condição”.
Faz certamente sentido dizer que os escritos de Kafka, que vivem de pôr em linguagem o olhar que descobre gestos e sinais num lugar limitado, Praga e o seu pequeno mundo, são inesgotáveis para a leitura. E são inesgotáveis porque, indo ao fundo do que há de mais incomodamente humano, nos colocam diante dos olhos sucessivos espelhos que nos assustam, pela identificação que sobressalta e pelo mistério que inquieta.
(João Barrento)
para quem acha a crença no fenómeno coincidência um tanto ou quanto obsoleta, a ironia é uma boa alternativa. curioso é o facto de estar a pensar em crónicas e, constantemente, em Praga, quando alguém entrou no meu quarto com esta revista. o excerto é de uma crónica chamada «Uma espécie de cegueira», incluída na secção Outras Ítacas, no número 63 da Ler – Livros & Leitores. e aqui transcrevo algumas frases aparentemente sem destinatário. mas considero a aparência tão obsoleta quanto a coincidência. são para ti.
Isso não
Jeunesse moderne de Saint-Tropez, na versão do Século Ilustrado, ou La Femme d'aujourd'hui chez elle, na versão da Eva. Porque será que as revistas femininas nunca publicaram artigos adequados a estas circunstâncias, como por exemplo: «Aprenda a receber o seu amante em casa», ou «Vestidos práticos para os dias em que o seu amante a vai despir»?
Sobre uma mesa baixa estavam várias revistas: o Match, a Elle, os Jours de France e as Selecções do Reader's Digest em brasileiro. Encostou-se para trás e olhou à sua volta. Objectos destinados a darem à sala um ar «vivido»: cinzeiros de bares e casas de fado, garrafas de whisky transformadas em candeeiros, baralhos de cartas e, sobre uma mesa baixa, alguns programas das Folies.
Felizmente já passou a fase do ferro forjado. Lá fazer amor com «Seja bem vindo quem vier por bem» pendurado na parede, não. Isso não. Tudo tem um limite.
Entrou com dois copos e algumas garrafas num tabuleiro, que colocou sobre a mesa baixa. Sentou-se no chão com as pernas cruzadas e preparou as bebidas.
Aprendem a sentar-se assim em revistas impressas em papel couché. Chamam-lhe «descontracção»...
(Luís de Sttau Monteiro)
no chão estão espalhadas todas as coisas que tirei da gaveta da mesa de cabeceira - bilhetes de cinema e flores que secaram. o (des)encanto do amor e da arte é que, (re)inventados em todas as décadas, há sempre flores e bilhetes de cinema.
Riso
acordei. o barulho dos sapatos no chão. e a mão quente dela por debaixo da minha boca. a mão inesperada dela. o calor inesperado da mão. naquele (entre)son(h)o, lambi os nós dos dedos e mordi as costas da mão. e soube então que não era aquela a mão do sonho que eu sonhava antes do barulho dos sapatos no chão. aquela mão era pequena e quente. a mão que eu sonhava tinha dedos compridos e esguios e jamais voltaria a aquecer. e não foi o barulho dos sapatos que me acordou. aqui não se ouve o barulho dos sapatos. foram as ratazanas. e as ratazanas correm descalças. ela está descalça, debaixo do frio dos cobertores que não aquecem. agora ouvi nitidamente aquele riso. o riso de Sófocles. e adivinho, na penumbra do submundo, os olhos líquidos e o esgar do sátiro.
o romantismo infractor do crime passional. qual é o romantismo que na sua autenticidade não infringe? a libido era uma ferida aberta nas tuas costas.
o romantismo infractor do crime passional. qual é o romantismo que na sua autenticidade não infringe? a libido era uma ferida aberta nas tuas costas.